sábado, 9 de agosto de 2014

O Rebu e a necessidade de romance

Janete Clair, autora de telenovelas conhecida das décadas de 60 e 70, dizia que uma boa telenovela dependia de um bom par romântico. Dava até uma espécie de receita de bolo, onde afirmava que ele precisava apresentar o casal e fazê-lo se beijar até o capítulo 15 e depois tinha que separá-lo.

A telenovela é um melodrama, é natural que o romance seja um dos principais motores da trama. E o principal interesse do público acostumado ao gênero. Em O Rebu, apesar da temática dominante ser pautada pelo romance policial, percebe-se as diversas tentativas de enlace construídas.

A começar pelo morto. Apesar de ter um caso com a advogada Gilda (Cássia Kis Magro), Bruno (Daniel Oliveira) era o amor de Duda (Sophie Charlotte), a mocinha da trama. Pelo menos, na estrutura apresentada até o momento. Como o rapaz morreu, não dá para o público se agarrar a ele torcendo por um final feliz, logo outros romances precisam povoar a tela de alguma maneira. E é interessante como a maioria deles se utiliza de outro recurso comum do melodrama, o triângulo amoroso. Inclusive o já citado Duda, Bruno e Gilda.

Um triângulo amoroso secundário é o composto por Camila (Maria Flor), Kiko (Pablo Sanabio) e Oswaldo (Julio Andrade). Mas, apesar de Oswaldo e Kiko serem fortes candidatos a assassino, não parece um trio que chame tanto a atenção do público. Tudo é construído de maneira muito leviana para gerar torcidas. Oswaldo tem problemas mentais e é traído pela esposa com um rapaz irresponsável que era quase gigolô de Vic Garcez (Vera Holtz).

Outro casal que possui um apelo muito maior, levando em conta o clássico melodrama, é Maria Angelica (Camila Morgado) e Alain (Jesuíta Barbosa). Apesar dela ser construída como uma personagem fútil e volúvel, parece se importar de fato com o rapaz, a ponto de mentir para a polícia para protegê-lo. Ele também possui um drama pessoal, com a mãe doente e é ameaçado por uma gangue, gerando elementos suficientes para o telespectador perdoá-lo e torcer para um enlace amoroso mais forte e duradouro.

Mas, chama a atenção a tentativa forçada de criar um clima de romance entre o delegado Pedroso (Marcos Palmeira) e a anfitriã Angela Mahler (Patrícia Pillar). Desde a apresentação do personagem, houve um truque na montagem para induzir o público àquilo. Na cena exatamente anterior à primeira aparição do delegado, Gilda diz que Angela precisa de férias e “quem sabe, lá encontre alguém interessante”. A cena corta então para Pedroso com os filhos, em uma das raras cenas de mal gosto técnico em toda a telenovela até então.


Todas as cenas que destoaram do primor técnico de O Rebu envolveram o núcleo de investigadores. A cena da apresentação de Marcos Palmeira soa falsa, com ele lavando o carro com os filhos. A música é ruim, a interpretação é forçada, a fotografia pesa nas cores vivas. O caminho dele e seu grupo até a mansão está também repleto de cenas que também soam fakes, com diálogos mal elaborados, estereótipos e falta de naturalidade.

E desde que Pedroso e Mahler se viram, esse clima de romance é reforçado de uma maneira pouco natural. Ele muda o tom para falar com ela. Há um desconforto estranho nas cenas em que estão juntos. E agora começam a surgir insinuações “Ele me esqueceu desde que viu a dona da casa”, diz a detetive Rosa (Dira Paes) em determinado momento. No capítulo de terça-feira dia 05 de agosto, uma cena flagrou Angela olhando a foto do investigador com uma atenção especial. E no capítulo de 07 de agosto, durante a conversa dos dois, uma música romântica foi adicionada ao fundo, criando o clima.

Isso sem falar, claro, no triângulo formado com a personagem de Dira Paes, que já foi namorada de Pedroso, tendo perdido um filho dele em uma ação policial. Essa carga dramática, aliada à informação de sabermos que ela fez inseminação artificial, aumenta a tensão entre os três. O problema é que até o momento não houve algo que de fato convencesse o telespectador da possibilidade desse romance, quanto mais torcer por ele. Vamos aguardar para ver como se desenvolve.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O Rebu e as escolhas narrativas

No texto anterior falei que o primeiro capítulo de O Rebu parecia uma estrutura mais episódica que capitular, assim como apontei a escolha de não manter o mistério da identidade do morto como a versão original de 1964. Eram apenas sensações que após três semanas de exibição podem ser melhor analisadas. É interessante perceber as confusões de formatos que surgem a cada nova experimentação da Rede Globo.

Apesar de ser chamada de telenovelas, alguns tem atribuído a O Rebu a definição de série. Na realidade, sua estrutura está mais próxima das antigas minisséries, formato que a emissora investiu a partir de 1982 e começou a abandonar no início dos anos 2000, quando elas estavam, de fato, se tornando mini-novelas com mais de 60 capítulos.

Mas, por que digo isso? Porque O Rebu tem algo que difere de uma estrutura básica das telenovelas. Ele possui unidade temática. Tudo em seus capítulos está voltado para o assassinato em uma festa, não há digressões mesmo quando se vai ao passado para entender a origem dos personagens. Ainda que isso gere subtramas, não fazem a narrativa andar por si só. Tudo está em função da investigação.

É diferente, por exemplo, da telenovela A Próxima Vítima (1995), em que apesar dos crimes em série, tínhamos temas e núcleos diversos que tratavam de amor, de homossexualidade, do mundo de negócios, de preconceito racial, enfim, os costumeiros temas variados, com seus plots desenvolvidos.

A estrutura dos roteiros, no entanto, também não são de seriado. Não há, apesar dos dois primeiros capítulos, um formato episódico onde a cada dia um plot específico é desenvolvido com começo, meio e fim. Mesmo nos seriados modernos, onde não há uma estrutura procedural, há essa característica episódica.

Lost, por exemplo, que muitos leigos diziam que tinha “cara de novela”, a cada episódio havia um plot ou dois a serem desenvolvidos. Em O Rebu, isso não acontece, é um plot único fragmentado em capítulos. Isso caracteriza a estrutura da telenovela ou das antigas minisséries. Com a diferença de que nas telenovelas, são multiplots se desenvolvendo ao mesmo tempo.

O que chama a atenção em O Rebu, no entanto, é a falta de cuidado com o gancho do capítulo. A maioria deles é interrompido da maneira abrupta sem uma preparação ou uma cena de impacto que instigue o telespectador ao dia seguinte. Raros são os ganchos que nos foram apresentados até então, a exemplo do final do primeiro capítulo com o tiro em Angela Mahler (Patrícia Pilar), ou o capítulo em que Maria Angélica (Camila Morgado) recebe o telefonema de Alain (Jesuíta Barbosa) no momento exato em que o investigador diz que ele tem ficha na polícia.

Esse pequeno descuido na construção da expectativa não é o único problema de roteiro da trama, que também não parece utilizar o recurso do flashback de uma maneira tão eficiente. As narrativas da festa e da investigação funcionam de maneira harmônica, construindo em conjunto a progressão dramática a cada novo passo investigativo.

É prazeroso inclusive, acompanhar a dinâmica das passagens de um tempo a outro, em que a direção e a montagem tem cuidados estilísticos bastante eficientes. Além de usar mão de muito raccord, seja de movimento ou no eixo, que nos dá a ideia de continuidade da ação ainda que com a diferença temporal.


A trilha sonora também ajuda muito na composição da narrativa entre os dois tempos, já que localiza na festa a cronologia dos acontecimentos. Isso facilita aos telespectadores mais atentos a montagem do quebra-cabeças do que teria acontecido.

Porém, quando entra os flashbacks de antes da festa essa harmonia se perde. Há uma quebra brusca, quase a abertura de um parêntese em uma estrutura didática que incomoda. Um personagem diz “lembro que você o contratou” e corta para a cena da contratação, por exemplo. Ainda que por vezes necessária, se torna cansativa e incômoda.

Na verdade, a trama de O Rebu traz um estranhamento ao telespectador comum por sua unidade temática, mas apesar dos pequenos problemas apontados, consegue até o momento trabalhar bem seus personagens e o mistério apresentado. As pequenas doses quase diárias dessa investigação nos instiga, ainda mais com a qualidade técnica apresentada e mantida até o momento.

É um prazer ver cada capítulo, seja pela direção, pela fotografia, pelo figurino, pelas atuações, pela trilha sonora. Pena que o roteiro ainda não tenha o primor que a expectativa gerava, mas é também acima da média do visto atualmente na televisão aberta. Torçamos para que continue assim até o final.