segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Rebu – Reta Final

Hoje entramos na última semana de O Rebu e, mesmo sem saber ainda quem está por trás dos assassinatos na mansão, é possível dizer que o saldo foi positivo. 

Todos os capítulos da micro-novela foram bem cuidados tecnicamente, mantendo o padrão estético, as boas atuações e um roteiro bem construído que vai nos envolvendo e dando pistas, ajudando a montar o quebra-cabeças.

Não digo que possamos arriscar palpites corretos sobre o nome do assassino, afinal, esse tipo de narrativa é baseado em nos dar pistas falsas induzindo ao erro, quando o que realmente aconteceu está escondido em alguma nuvem não-identificada.

A grande questão, no entanto, não é enganar o telespectador, mas surpreendê-lo. Muitas vezes, a resposta está ali à nossa frente, a gente que não conseguiu enxergar, como foi o caso da telenovela Força de Um Desejo de Gilberto Braga, que considero até hoje o melhor mistério já construído na televisão.

Queremos ser surpreendidos de forma positiva. Uma boa e surpreendente trama pode ser mais prazerosa do que a alegria de desvendar um mistério antes. O único livro de Agatha Christie em que descobri o mistério antes do final foi Morte no Nilo, não por acaso é o que menos gosto da autora.

Este jogo de pista e recompensa que vai nos sendo mostrado é divertido exatamente porque nada está definido. O nome do assassino não pode ser aquele óbvio, que todos esperam. Mas, também não pode ser um Deus ex machina, ou seja, algo tirado do nada no final da trama sem uma construção prévia.

No caso de O Rebu, todos os convidados podem ter matado Bruno e mandado matar Angela. Isso já é uma vantagem para os roteiristas. A questão é o motivo. O suspeito mais óbvio é Braga, personagem de Tony Ramos. O que nos dá também a possibilidade de Bernardo, personagem de Zé de Abreu, e até mesmo Lídia, esposa de Braga, interpretada por Bel Kowarick.

Uma forte suspeita que começa a se tornar mais óbvia nas últimas semanas é Duda, personagem de Sophie Charlotte. A garota se revelou o estereótipo da femme fatale, o que não deixa de ser interessante já que O Rebu tem um tom que flerta com o noir. Simpática, aparentemente frágil, mas que desvia dinheiro da empresa da madrasta e tem contato com aquele que contratou Severino para matar a dona da mansão.

Se lembrarmos que a primeira cena da garota na festa é ela chorando e cantando para Bruno, que já está boiando na piscina pode ser mais uma pista de que ela sabia o que tinha acontecido. Isso sem falar que ela estava com o dossiê em mãos e não entregou a Angela. Mas, como disse, isso ficou muito óbvio.

Temos ainda Kiko, Oswaldo, Camila, Gilda, Alain, Roberta e até mesmo o piloto Antonio Gonzalez que saiu da festa antes dizendo ter outro compromisso de trabalho. Quem sabe isso não era ele forjando o álibi perfeito? Matar Angela e casar com Duda ficando com sua fortuna, não é uma hipótese impossível.

Outra personagem que ainda não disse a que veio foi Vic Garcez, interpretada por Vera Holtz. Aos poucos ela foi revelando seu passado humilde, seu relacionamento com o segurança Zé Maria e seu temperamento prático e até mesmo frio. Aliás, a cena em que ela e Zé Maria cantarolam “Quem te viu quem te vê” de Chico Buarque é um bom exemplo de como passar informações sem precisar de muita exposição.

O fato é que tudo pode acontecer nesta última semana que se inicia. As possibilidades ainda estão abertas e há muito mais por trás dos crimes, que devem estar todos interligados. Se o Chefe Pierre, vivido por Jean Pierre Noher, foi uma vítima do acaso ou também estava envolvido na trama, só saberemos na sexta-feira. O que esperamos mesmo é que a surpresa seja positiva e O Rebu possa marcar a teledramaturgia brasileira com algo acima da média.

sábado, 9 de agosto de 2014

O Rebu e a necessidade de romance

Janete Clair, autora de telenovelas conhecida das décadas de 60 e 70, dizia que uma boa telenovela dependia de um bom par romântico. Dava até uma espécie de receita de bolo, onde afirmava que ele precisava apresentar o casal e fazê-lo se beijar até o capítulo 15 e depois tinha que separá-lo.

A telenovela é um melodrama, é natural que o romance seja um dos principais motores da trama. E o principal interesse do público acostumado ao gênero. Em O Rebu, apesar da temática dominante ser pautada pelo romance policial, percebe-se as diversas tentativas de enlace construídas.

A começar pelo morto. Apesar de ter um caso com a advogada Gilda (Cássia Kis Magro), Bruno (Daniel Oliveira) era o amor de Duda (Sophie Charlotte), a mocinha da trama. Pelo menos, na estrutura apresentada até o momento. Como o rapaz morreu, não dá para o público se agarrar a ele torcendo por um final feliz, logo outros romances precisam povoar a tela de alguma maneira. E é interessante como a maioria deles se utiliza de outro recurso comum do melodrama, o triângulo amoroso. Inclusive o já citado Duda, Bruno e Gilda.

Um triângulo amoroso secundário é o composto por Camila (Maria Flor), Kiko (Pablo Sanabio) e Oswaldo (Julio Andrade). Mas, apesar de Oswaldo e Kiko serem fortes candidatos a assassino, não parece um trio que chame tanto a atenção do público. Tudo é construído de maneira muito leviana para gerar torcidas. Oswaldo tem problemas mentais e é traído pela esposa com um rapaz irresponsável que era quase gigolô de Vic Garcez (Vera Holtz).

Outro casal que possui um apelo muito maior, levando em conta o clássico melodrama, é Maria Angelica (Camila Morgado) e Alain (Jesuíta Barbosa). Apesar dela ser construída como uma personagem fútil e volúvel, parece se importar de fato com o rapaz, a ponto de mentir para a polícia para protegê-lo. Ele também possui um drama pessoal, com a mãe doente e é ameaçado por uma gangue, gerando elementos suficientes para o telespectador perdoá-lo e torcer para um enlace amoroso mais forte e duradouro.

Mas, chama a atenção a tentativa forçada de criar um clima de romance entre o delegado Pedroso (Marcos Palmeira) e a anfitriã Angela Mahler (Patrícia Pillar). Desde a apresentação do personagem, houve um truque na montagem para induzir o público àquilo. Na cena exatamente anterior à primeira aparição do delegado, Gilda diz que Angela precisa de férias e “quem sabe, lá encontre alguém interessante”. A cena corta então para Pedroso com os filhos, em uma das raras cenas de mal gosto técnico em toda a telenovela até então.


Todas as cenas que destoaram do primor técnico de O Rebu envolveram o núcleo de investigadores. A cena da apresentação de Marcos Palmeira soa falsa, com ele lavando o carro com os filhos. A música é ruim, a interpretação é forçada, a fotografia pesa nas cores vivas. O caminho dele e seu grupo até a mansão está também repleto de cenas que também soam fakes, com diálogos mal elaborados, estereótipos e falta de naturalidade.

E desde que Pedroso e Mahler se viram, esse clima de romance é reforçado de uma maneira pouco natural. Ele muda o tom para falar com ela. Há um desconforto estranho nas cenas em que estão juntos. E agora começam a surgir insinuações “Ele me esqueceu desde que viu a dona da casa”, diz a detetive Rosa (Dira Paes) em determinado momento. No capítulo de terça-feira dia 05 de agosto, uma cena flagrou Angela olhando a foto do investigador com uma atenção especial. E no capítulo de 07 de agosto, durante a conversa dos dois, uma música romântica foi adicionada ao fundo, criando o clima.

Isso sem falar, claro, no triângulo formado com a personagem de Dira Paes, que já foi namorada de Pedroso, tendo perdido um filho dele em uma ação policial. Essa carga dramática, aliada à informação de sabermos que ela fez inseminação artificial, aumenta a tensão entre os três. O problema é que até o momento não houve algo que de fato convencesse o telespectador da possibilidade desse romance, quanto mais torcer por ele. Vamos aguardar para ver como se desenvolve.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O Rebu e as escolhas narrativas

No texto anterior falei que o primeiro capítulo de O Rebu parecia uma estrutura mais episódica que capitular, assim como apontei a escolha de não manter o mistério da identidade do morto como a versão original de 1964. Eram apenas sensações que após três semanas de exibição podem ser melhor analisadas. É interessante perceber as confusões de formatos que surgem a cada nova experimentação da Rede Globo.

Apesar de ser chamada de telenovelas, alguns tem atribuído a O Rebu a definição de série. Na realidade, sua estrutura está mais próxima das antigas minisséries, formato que a emissora investiu a partir de 1982 e começou a abandonar no início dos anos 2000, quando elas estavam, de fato, se tornando mini-novelas com mais de 60 capítulos.

Mas, por que digo isso? Porque O Rebu tem algo que difere de uma estrutura básica das telenovelas. Ele possui unidade temática. Tudo em seus capítulos está voltado para o assassinato em uma festa, não há digressões mesmo quando se vai ao passado para entender a origem dos personagens. Ainda que isso gere subtramas, não fazem a narrativa andar por si só. Tudo está em função da investigação.

É diferente, por exemplo, da telenovela A Próxima Vítima (1995), em que apesar dos crimes em série, tínhamos temas e núcleos diversos que tratavam de amor, de homossexualidade, do mundo de negócios, de preconceito racial, enfim, os costumeiros temas variados, com seus plots desenvolvidos.

A estrutura dos roteiros, no entanto, também não são de seriado. Não há, apesar dos dois primeiros capítulos, um formato episódico onde a cada dia um plot específico é desenvolvido com começo, meio e fim. Mesmo nos seriados modernos, onde não há uma estrutura procedural, há essa característica episódica.

Lost, por exemplo, que muitos leigos diziam que tinha “cara de novela”, a cada episódio havia um plot ou dois a serem desenvolvidos. Em O Rebu, isso não acontece, é um plot único fragmentado em capítulos. Isso caracteriza a estrutura da telenovela ou das antigas minisséries. Com a diferença de que nas telenovelas, são multiplots se desenvolvendo ao mesmo tempo.

O que chama a atenção em O Rebu, no entanto, é a falta de cuidado com o gancho do capítulo. A maioria deles é interrompido da maneira abrupta sem uma preparação ou uma cena de impacto que instigue o telespectador ao dia seguinte. Raros são os ganchos que nos foram apresentados até então, a exemplo do final do primeiro capítulo com o tiro em Angela Mahler (Patrícia Pilar), ou o capítulo em que Maria Angélica (Camila Morgado) recebe o telefonema de Alain (Jesuíta Barbosa) no momento exato em que o investigador diz que ele tem ficha na polícia.

Esse pequeno descuido na construção da expectativa não é o único problema de roteiro da trama, que também não parece utilizar o recurso do flashback de uma maneira tão eficiente. As narrativas da festa e da investigação funcionam de maneira harmônica, construindo em conjunto a progressão dramática a cada novo passo investigativo.

É prazeroso inclusive, acompanhar a dinâmica das passagens de um tempo a outro, em que a direção e a montagem tem cuidados estilísticos bastante eficientes. Além de usar mão de muito raccord, seja de movimento ou no eixo, que nos dá a ideia de continuidade da ação ainda que com a diferença temporal.


A trilha sonora também ajuda muito na composição da narrativa entre os dois tempos, já que localiza na festa a cronologia dos acontecimentos. Isso facilita aos telespectadores mais atentos a montagem do quebra-cabeças do que teria acontecido.

Porém, quando entra os flashbacks de antes da festa essa harmonia se perde. Há uma quebra brusca, quase a abertura de um parêntese em uma estrutura didática que incomoda. Um personagem diz “lembro que você o contratou” e corta para a cena da contratação, por exemplo. Ainda que por vezes necessária, se torna cansativa e incômoda.

Na verdade, a trama de O Rebu traz um estranhamento ao telespectador comum por sua unidade temática, mas apesar dos pequenos problemas apontados, consegue até o momento trabalhar bem seus personagens e o mistério apresentado. As pequenas doses quase diárias dessa investigação nos instiga, ainda mais com a qualidade técnica apresentada e mantida até o momento.

É um prazer ver cada capítulo, seja pela direção, pela fotografia, pelo figurino, pelas atuações, pela trilha sonora. Pena que o roteiro ainda não tenha o primor que a expectativa gerava, mas é também acima da média do visto atualmente na televisão aberta. Torçamos para que continue assim até o final.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Rebu, promessa e sombras

Em 04 de novembro de 1974, Bráulio Pedroso estreava mais uma telenovela que marcaria época na história da teledramaturgia brasileira. O autor de Beto Rockfeller, que modificou a forma de se fazer telenovelas no país, inovou mais uma vez no roteiro com uma trama que se passa em 24 horas, tendo três tempos diferentes e dois mistérios: “quem morreu?” e “quem matou?” na festa do milionário Conrad Mahler.

Um roteiro tão complexo, que lidava com os mistérios e com as três linhas do tempo, era tão ousado para a época que quando a série norte-americana Lost fez a mesma coisa nos anos 2000 foi apontada por especialistas como uma inovação na estrutura narrativa.

O Rebu teve diversos pontos positivos e a capacidade de Bráulio Pedroso de embasar sua trama foi impressionante, tanto que só foi revelada a identidade do morto no capítulo cinquenta. E seu assassino, no último, em um total de 112 capítulos.

Na realidade, o corpo que boiava na piscina desde o primeiro capítulo (em uma referência clara a Crepúsculo dos Deuses) era de Sílvia, personagem de Bete Mendes. E a explicação da vestimenta que parecia ser de um homem é explicada em determinado momento da festa, quando as mulheres começaram a brincar de cortar o cabelo e vestir terno. Já seu assassino foi o próprio anfitrião Conrad, interpretado por Ziembinski.

O Rebu se tornou uma lenda, principalmente após um incêndio na Rede Globo levar seus capítulos, deixando apenas os comentários e curiosidades nos registros de quem teve a possibilidade de vê-la. E agora, retorna em um remake mais curto, com 36 capítulos previstos e algumas alterações que vão desde a mudança de sexo dos protagonistas até a retirada do mistério “quem morreu?”.

O primeiro capítulo empolga os mais céticos. Com direção e fotografia primorosas e uma direção de arte cuidadosa, a construção estética da trama é impressionante. Tudo funciona de uma maneira envolvente.

A primeira cena com diversos planos detalhes dos convidados ao som de Santa Esmeralda (Don't Let Me Be Misunderstood) já demonstra um cuidado diferenciado. A fotografia azulada, a construção dos detalhes, a música que vai crescendo, e embarcamos em um plano sequência pela casa, tudo para passar a sensação do clima da festa e criar o impacto inicial do nosso primeiro contato.

O elenco também se destaca, com grandes nomes como Patrícia Pilar, Tony Ramos, Cássia Kiss, José de Abreu, Sophie Charlotte, Daniel de Oliveira, isso só para citar alguns. Todos parecem afinados e completamente entregues aos personagens. As cenas demonstram veracidade, com destaque para o momento em que a personagem de Sophie Charlotte canta uma música de Roberto Carlos e podemos ver as reações de Patrícia Pilar e Cássia Kiss. A construção da emoção das duas em relação ao que aquela atitude significa é muita boa.

Vendo apenas o primeiro capítulo, ou episódio, como a própria Rede Globo anunciou, o que traz outras questões interessantes que não cabem neste texto, é de que é um produto de qualidade. Mas, o fato de ter sido revelada a identidade do morto já nos primeiros momentos da trama, acabou tirando um pouco da força inovadora do roteiro. Ainda mais nos tempos atuais em que já vimos diversos “quem matou?” povoando nossa teledramaturgia.

Tirar o “quem morreu?” não é tirar apenas a “cereja do bolo”, mas é mexer completamente na estrutura do mistério que será construído nos 36 capítulos. George Moura, responsável pela adaptação, não precisará lidar com tantos detalhes da construção narrativa e a forma de jogar com o público será limitada aos motivos de quem tinha interesse em matar o jovem Bruno Ferraz. Isso acaba empobrecendo a complexidade, mas não significa que o roteiro não tem cuidados que mereçam atenção.

Traçando um paralelo com a original, Bruno ocupa a mesma função dramática de Sílvia, personagem de Bete Mendes, o que nos levaria a suspeitar da personagem de Patrícia Pilar. Para deixar a situação mais complexa, ao final do primeiro capítulo, a empresária Ângela Mahler se torna alvo de um revólver. Diversas possibilidades se abrem, até a de que o rapaz foi morto por engano como já vimos na telenovela Vale Tudo.

De qualquer maneira, é cedo para qualquer veredito em relação à qualidade ou não do roteiro. Com o primeiro episódio dessa instigante trama, temos apenas indícios de que se não será algo tão especial quanto o produto original, pelo menos temos a promessa de qualidade.

domingo, 17 de outubro de 2010

Inácio Araújo se rende às séries




Mas é necessário observar que a instância de consagração continua nas mãos do cinema/diretor...




In: Folha de São Paulo, 17/10/2010
CRÍTICA DRAMA

"Boardwalk Empire" demonstra que vanguarda migrou do cinema para TV
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Admitamos de uma vez: a vanguarda do cinema americano hoje está nas séries para TV. Só faltava, para comprovar, que um diretor de primeiríssima linha, um autor da envergadura de Martin Scorsese, viesse a dar confirmação do fenômeno.
Com "Boardwalk Empire", que estreia hoje na HBO, está feito: Scorsese não só assumiu a direção do episódio piloto como figura como um dos produtores executivos da série criada por Terence Winter sobre o submundo de Atlantic City durante a chamada "era da proibição", a partir de 1920.
Submundo é modo de dizer, já que o personagem central da série é Nucky Thompson (Steve Buscemi), que desde a primeira sequência assume a dupla identidade de gângster e político e mostra-se disposto a agir com desenvoltura em ambas.
Ao episódio não faltam acontecimentos: da festa que marca o início da Lei Seca à primeira carga clandestina, ao primeiro roubo de carga, ao surgimento de uma nova geração de gângsters (Al Capone, discreto, entre eles).

MÃO DO DIRETOR
Todo o tempo sente-se o estilo de Scorsese e esse tipo de marca forte talvez seja inédito nas séries.
Não é apenas a câmera em movimento constante nem os planos curtos: esses são aspectos exteriores que servem para melhor criar um ambiente e uma dinâmica de observação desse mundo em que corrupção e santidade misturam-se (logo no início, Thompson faz um discurso contra o álcool para um grupo de senhoras; em seguida, vai para uma festança onde se celebra a bebida).
O realismo, outra marca de Scorsese, também se faz presente. Desde os cuidados para restituir a época à descrição dos gângsteres (entre os quais, novatos e antigos, impera a mixaria), é no universo scorsesiano que nos encontramos. Como as coisas seguirão nos capítulos seguintes, é a conferir, já que a tradição das boas séries é a de engrossar o caldo à medida que os episódios se sucedem. Por ora, é certo que o tom está dado e terá de ser seguido.
Prova de que na TV a audácia, hoje, é maior que no cinema. Falando nisso: a abertura, baseada nos quadros do pintor belga René Magritte, é notável.

NA TV

Boardwalk Empire
Dois primeiros episódios da série
QUANDO hoje, às 22h, na HBO
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A Cura e a expectativa de um final

Acabou ontem a primeira temporada de A Cura e o suspense permanece com força total. O gancho do final do último episódio é para deixar tenso todo telespectador desavisado. Não era mesmo o final. Seguindo o modelo norte-americano, a Rede Globo inova com uma série que não se encerra e nos faz perguntar: quando começa a segunda temporada? O arco dramático principal foi resolvido, é verdade. O mistério que rondava a história até o penúltimo capítulo foi revelado de forma coerente, mas outras perguntas surgiram e um novo rumo foi dado.

A Cura começou em 10 de agosto de 2010, com episódios seriados sempre às terças-feiras. Escrita por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, direção de Ricardo Waddington e Gustavo Fernandez e fotografia de Ricardo Gaglianone contava duas histórias paralelas em tempos distintos. No século XVIII, o garimpeiro Silvério, um homem sem escrúpulos que mata o amigo ao encontrarem um diamante e começa seu império maltratando escravos, enganando a coroa portuguesa e subjugando quem se aproxima. Nos tempos atuais, Dimas retorna a cidade natal onde é considerado um assassino. Quando criança ele foi encontrado retalhando um colega que havia caído de uma árvore. Sua família é descendente de Silvério que é visto como um benfeitor local e esta parece, a princípio, a única ligação dos dois tempos. Acontece que a cidade guarda outro mistério, o médico Otto, visto como curandeiro por uns e assassino por outros, tem na voz de Edelweiss sua maior defensora. Ela é quem diz a Dimas que ele veio para terminar o trabalho de seu antecessor, pois tem o mesmo dom de cura.

A série começou com essa trama de mistério base: Dimas tem um dom da cura ou é um esquizofrênico perigoso? E Otto? E qual a ligação de ambos com a história do século XVIII? Não é a primeira vez que João Emanuel Carneiro e Ricardo Waddington têm, na identidade do seu protagonista, o suspense que sustenta uma história. A telenovela A Favorita baseava-se na dúbia personalidade de Flora e Donatela, uma das duas estava mentindo e o público só descobriu isso no capítulo trinta. Em A Cura, eles foram além, pois várias eram as possibilidades. Apenas no penúltimo episódio as pistas levaram a uma dedução que se confirmou no último episódio da temporada. Agora o público sabe quem é Dimas, quem é Otto, quem foi Silvério e quem foi o menino Ezequiel que apareceu na trama do século XVIII no final do terceiro episódio. Resta saber o que nos reserva a segunda temporada. Pois, se os mistérios terminaram, o suspense da primeira temporada muda de foco, veremos uma caçada ao monstro e não mais uma rede a ser desvendada.

É de se admirar o que a equipe fez nesses nove episódios. O roteiro bem amarrado nos deixava em suspense constante. A direção e a fotografia colaboravam com a construção dos efeitos característicos. A câmera subjetiva, as penumbras, a trilha. A Cura é, sem dúvidas, uma série para marcar a história da teledramaturgia da Rede Globo. O elenco também estava afinado. Selton Mello e Juca de Oliveira criaram um embate interessante, sendo muito mais complicado de compreender que um deles era um assassino a princípio. Andreia Horta chega à emissora após o sucesso como Alice da HBO e consegue dar conta de sua Rosângela. Mesmo o preferido do autor, Carmo Dalla Vecchia, consegue trazer alguma verdade ao seu monstruoso Silvério, apesar dos trejeitos exagerados. Ary Fontoura é outro destaque como o médico cético Turíbio. E Eunice Braulio rouba a cena como a bisbilhoteira Nonoca. Ela é o ponto de apoio do telespectador, dando voz aos comentários da cidade e detalhando alguns mistérios passados. Além de ser o alívio cômico ao viver no telefone sem vender um único objeto de sua loja aos turistas.

No geral, A Cura surpreende em todos os aspectos. Por ser um projeto de história totalmente seriada, não apenas com episódios dependentes, mas com temporadas que não se encerram. Ao contrário de Som&Fúria que tem um final ao término da temporada, apesar da possibilidade de continuação. Ou de outras séries que a Globo vem testando como Força Tarefa, onde cada episódio se encerra em si, apesar do arco dramático dos personagens ter uma evolução durante a temporada. Com um bom aparato técnico de roteiro, direção, fotografia, som e elenco, além de uma força nos ganchos, A Cura deixa a expectativa para sua continuação. Torçamos para que não demore muito e que mantenha o nível da primeira.

Episódio final (com spoilers)
Após oito episódios de suspense, A Cura parecia ter um desfecho ao final de sua temporada. Quando Otto começa a revelar sua verdadeira face, fica claro ao telespectador que Dimas é, não apenas o mocinho da história, como a reencarnação de Ezequiel, o menino curandeiro. Ele fala a Otto a mesma frase que o menino falou a Silvério: A você eu não curo. Estava montada a ligação. Dimas curou Graciema na frente de Rosângela, tudo parecia se resolver. Mas, agora, Otto matou a mulher de Turíbio e todas as pistas apontam para o rapaz. Nem mesmo Rosângela pode acreditar em sua inocência.

No último episódio, o suspense não é mais o mistério de quem seja Otto ou Dimas, mas, como o rapaz vai provar sua inocência e desmascarar o pai. A tensão é constante, as cenas envolventes. A montagem em paralelo de passado e presente é ainda mais eficiente, fazendo todas as ligações temporais e mostrando que a história está apenas se repetindo. A cena em que Camilo é cimentado na parede em paralelo com as vítimas de Silvério é forte, chega a dar arrepios. Só ficou um pouco forçado a forma como ele consegue escapar dali. Já o momento-chave em que Dimas tem o pescoço de Otto ao alcance de seu bisturi, da mesma forma que Ezequiel tinha Silvério, é tensa. A câmera repete os mesmos movimentos, recriando a situação três séculos depois. Ezequiel tem que matar para salvar a mãe, Dimas para salvar Rosângela. A história tinha que ser diferente, para quebrar o ciclo.

A solução pareceu coerente. Dimas preso, Camilo prometendo tirá-lo de lá e Rosângela acordando no hospital, deixam a expectativa da continuação. É um excelente gancho de temporada. Mas cheio de furos. Enquanto Dimas, Otto, Rosângela e Ciro estavam no galpão todos pareciam convencidos de que o antigo médico estava vivo e era o responsável pelos crimes. Apenas Turíbio em uma raiva exageradamente maniqueísta acusava Dimas. Camilo foi uma vítima direta e sabe que Ciro era cúmplice do médico. Até a fofoqueira Nonoca garantiu ver Otto e Rosângela entrando na casa. É difícil entender por que não deram nem a possibilidade da dúvida para Dimas? A construção da personalidade de Ciro também é incoerente. Primeiro ele justifica a Dimas que ajuda Otto porque ele é Silvério, seu antepassado. Depois, quando Dimas está com o bisturi na garganta do médico ele grita “mata esse monstro, nos livra dele”. Por fim, ele confirma toda a história que Otto mandou, acusando Dimas de assassinato. Suas atitudes não fazem no menor sentido.

Ainda assim, o episódio final explicou muito e construiu bem a passagem para o novo rumo da trama. Caso Otto fosse preso, morto, ou qualquer outra solução e Dimas fosse inocentado, tendo até Turíbio ao seu lado, que seria da segunda temporada? O suspense simplesmente acabaria. Agora o clima de caçada, suspense de onde ele estará e como conseguirão pegá-lo dá fôlego para mais uma temporada. Além, claro, do drama que os telespectadores viveram de ver Dimas preso e Rosângela no hospital. O único problema é a inconstante grade de programação de séries da Rede Globo. Fica a expectativa de que exista mesmo uma nova temporada e logo.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Profissão: crítico de TV

Navegando pelo You Tube encontrei esta entrevista com o crítico José Armando Vanucci (TV Gazeta programa Todo Seu e Rádio Jovem Pan). Achei-o meio chapa branca, mas não deixa de ser curioso vê-lo analisar sua profissão.