Dois filmes, em especial, chamaram a minha atenção, entre outros motivos, por lançar lenha na fogueira que derrete as fronteiras entre ficção e documentário. Pan Cinema Permanente, de Carlos Nader, e Filmefobia, de Kiko Goifman. Pan Cinema Permanente, “persegue” a figura inquieta de Wally. Wally é um discurso de si mesmo. Ele aparece no filme em lugares e tempos diferentes gritando, cuspindo palavras e “verdades”, dizendo poesias, entrecortado por imagens não necessariamente “coladas” àquelas situações, em um estilo de montagem que remete ao currículo de videoartista do diretor; amigos e outros poetas falam quase sempre em off, sobre o saudoso escriba baiano de Jequié. Os depoimentos tentam traçar um perfil e compreender o “personagem” Wally Salomão. As imagens têm um “quê” de amadoras, quase caseiras. Tudo absolutamente impregnado de real não fosse o fato “denunciado” pelo documentário de que Wally estava sempre interpretando para a câmera. Suas falas são grandes encenações, Wally, ao perceber a câmera em rec, encarnava inevitavelmente um personagem que não era ele, ou talvez fosse o mais autêntico “ele”, o ele de verdade, nascido da farsa teatral em que vivia, segundo dizem os amigos depoentes e a “tese” defendida pelo próprio filme.
O outro filme, o de Kiko Goifmann, a princípio, nasce de uma premissa documental. Segundo anunciado em jornais e num blog sobre o processo de confecção do filme, o longa estaria sustentado pela idéia, defendida por Jean Claude Bernadet, segundo a qual as pessoas só se mostrariam de verdade, quando confrontadas pelas suas fobias mais poderosas. Sendo assim, o dispositivo do filme era expor pessoas às suas fobias e gravar a reação delas. E aparentemente assim foi feito. Aquele que tinha medo de anões foi amarrado e atacado por um monte deles, o que tinha medo de sangue foi melecado inteiro pelo tal líquido vermelho que nos corre nas veias e por aí vai... as fobias são as mais estranhas... tem fobia de penetração, de pombos, de telefones celulares...
Bom, segundo o blog do longa, as experiências foram de tal modo intensas que fizeram a equipe questionar a validade daquela empreitada. Brigaram e desistiram do projeto. Tempos depois, saiu a notícia de que Kiko Goifmann, que segundo a “história pré-filme” era o diretor do making of, resolveu juntar as imagens que ele tinha capturado e lançar um filme nascido a partir do outro filme que fora abandonado. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que agora, depois de exibido o longa, os produtores confessam que nunca houve documentário, nem fóbicos, eles estavam sempre desde de o princípio, fazendo uma ficção para qual eles emprestaram seus nomes e corpos verdadeiros. A provocação é saber quando começou o filme, se aquele texto audiovisual está completo sem as informações anteriores, sem o flerte com a realidade, sustentado pela farsa da produção de um documentário.
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