segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O Rebu e as escolhas narrativas

No texto anterior falei que o primeiro capítulo de O Rebu parecia uma estrutura mais episódica que capitular, assim como apontei a escolha de não manter o mistério da identidade do morto como a versão original de 1964. Eram apenas sensações que após três semanas de exibição podem ser melhor analisadas. É interessante perceber as confusões de formatos que surgem a cada nova experimentação da Rede Globo.

Apesar de ser chamada de telenovelas, alguns tem atribuído a O Rebu a definição de série. Na realidade, sua estrutura está mais próxima das antigas minisséries, formato que a emissora investiu a partir de 1982 e começou a abandonar no início dos anos 2000, quando elas estavam, de fato, se tornando mini-novelas com mais de 60 capítulos.

Mas, por que digo isso? Porque O Rebu tem algo que difere de uma estrutura básica das telenovelas. Ele possui unidade temática. Tudo em seus capítulos está voltado para o assassinato em uma festa, não há digressões mesmo quando se vai ao passado para entender a origem dos personagens. Ainda que isso gere subtramas, não fazem a narrativa andar por si só. Tudo está em função da investigação.

É diferente, por exemplo, da telenovela A Próxima Vítima (1995), em que apesar dos crimes em série, tínhamos temas e núcleos diversos que tratavam de amor, de homossexualidade, do mundo de negócios, de preconceito racial, enfim, os costumeiros temas variados, com seus plots desenvolvidos.

A estrutura dos roteiros, no entanto, também não são de seriado. Não há, apesar dos dois primeiros capítulos, um formato episódico onde a cada dia um plot específico é desenvolvido com começo, meio e fim. Mesmo nos seriados modernos, onde não há uma estrutura procedural, há essa característica episódica.

Lost, por exemplo, que muitos leigos diziam que tinha “cara de novela”, a cada episódio havia um plot ou dois a serem desenvolvidos. Em O Rebu, isso não acontece, é um plot único fragmentado em capítulos. Isso caracteriza a estrutura da telenovela ou das antigas minisséries. Com a diferença de que nas telenovelas, são multiplots se desenvolvendo ao mesmo tempo.

O que chama a atenção em O Rebu, no entanto, é a falta de cuidado com o gancho do capítulo. A maioria deles é interrompido da maneira abrupta sem uma preparação ou uma cena de impacto que instigue o telespectador ao dia seguinte. Raros são os ganchos que nos foram apresentados até então, a exemplo do final do primeiro capítulo com o tiro em Angela Mahler (Patrícia Pilar), ou o capítulo em que Maria Angélica (Camila Morgado) recebe o telefonema de Alain (Jesuíta Barbosa) no momento exato em que o investigador diz que ele tem ficha na polícia.

Esse pequeno descuido na construção da expectativa não é o único problema de roteiro da trama, que também não parece utilizar o recurso do flashback de uma maneira tão eficiente. As narrativas da festa e da investigação funcionam de maneira harmônica, construindo em conjunto a progressão dramática a cada novo passo investigativo.

É prazeroso inclusive, acompanhar a dinâmica das passagens de um tempo a outro, em que a direção e a montagem tem cuidados estilísticos bastante eficientes. Além de usar mão de muito raccord, seja de movimento ou no eixo, que nos dá a ideia de continuidade da ação ainda que com a diferença temporal.


A trilha sonora também ajuda muito na composição da narrativa entre os dois tempos, já que localiza na festa a cronologia dos acontecimentos. Isso facilita aos telespectadores mais atentos a montagem do quebra-cabeças do que teria acontecido.

Porém, quando entra os flashbacks de antes da festa essa harmonia se perde. Há uma quebra brusca, quase a abertura de um parêntese em uma estrutura didática que incomoda. Um personagem diz “lembro que você o contratou” e corta para a cena da contratação, por exemplo. Ainda que por vezes necessária, se torna cansativa e incômoda.

Na verdade, a trama de O Rebu traz um estranhamento ao telespectador comum por sua unidade temática, mas apesar dos pequenos problemas apontados, consegue até o momento trabalhar bem seus personagens e o mistério apresentado. As pequenas doses quase diárias dessa investigação nos instiga, ainda mais com a qualidade técnica apresentada e mantida até o momento.

É um prazer ver cada capítulo, seja pela direção, pela fotografia, pelo figurino, pelas atuações, pela trilha sonora. Pena que o roteiro ainda não tenha o primor que a expectativa gerava, mas é também acima da média do visto atualmente na televisão aberta. Torçamos para que continue assim até o final.

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