segunda-feira, 20 de abril de 2009

A despedida de Grisson

O adeus a Grisson em CSI Vegas,
ou como “aprender a percorrer novos caminhos”.



Estamos acertados que um ponto de partida de nosso método de analise das estratégias de composição dos programas de efeitos nas obras é a nossa fruição. Lugar de apreciador da ficção seriada televisiva que supõe a capacidade de indagar e perscrutar na obra os caminhos geradores dos efeitos identificados. Modos de conhecer e saber sobre o mundo dos personagens. Modos de se aproximar ou se distanciar do mundo que concebemos. Modos de sentir no corpo e na alma os prazeres e senões dos amores ou das separações.

Combinados, assim, apresento impressões primeiras da despedida do personagem Grisson da série policial CSI Vegas, exibida recentemente no Brasil no canal fechado AXN. Semana passada, retrasada, nem saber mais quero! Segundas-feiras, oito horas da noite, reservado o momento de exibição de episódios inéditos. No décimo episódio da nona temporada Grisson segue seu caminho para fora do mundo dos peritos de Vegas e fora da nossa estante das ficções eletivas. Aquelas que guardamos com carinho e cultivamos com sereno entusiasmo.

CSI Vegas há muito cuida de seus apreciadores constantes. Já sabíamos que ele nos deixaria. Não seria de forma tão contundente como a do personagem Warrick. O telespectador foi devidamente informado sobre uma saída amena e suportável. No mundo das ficções seriadas longevas sabe-se que retiradas e inserções de personagens merecem cuidado redobrado. Encontra-se nesse empreendimento o jogo das tensões que fere suscetibilidades de um publico fiel que, incomodado, pode escapulir e nunca mais voltar. Jogo de estratégias que pode também aprisionar mais uma vez, solenemente, esse publico que deseja ser cativado.

Fiquei esperando para ver como iriam construir a minha despedida de Grisson. Será que também seria a minha despedida de uma serie televisiva tão aprazível? Enfim, sinto que cuidaram habilmente do meu desapego. Consegui despedir-me dele e, mais do que isso, estou apta a acolher aquele que Grisson deixou de presente para nós e para a equipe de personagens da série. Não é uma simples artimanha de engenharia criativa com fins comerciais. Foi uma demonstração de destreza na criação de enredos e personagens que recriam e alongam fios sem descuidar da elegância e maleabilidade da malha.

Ideias ainda nas sombras dos desalinhos de uma separação, compartilho com vocês brevíssimo rascunho das indagações que tenho feito sobre as maneiras de compor esse desfecho nessa temporada.

Outro dia, fico sabendo que Jorge Amado convidava amigos para jantares de despedida de seus personagens, tamanho espaço que eles ocupavam na vida dele. Não são raros os depoimentos de escritores que ao tratarem do processo de criação falam da autonomia dos personagens que parecem desenhar pra eles próprios o seu destino. Não raro também os depoimentos e as lembranças das conversas em rodas de amigos que tratam dos personagens preferidos como alguém da família que pode ser amado ou odiado. No inicio dos anos noventa, na série Chicago Hope, exibida na Tv aberta brasileira, toda a equipe do hospital que fazia parte da minha vida as segundas-feiras a noite foi demitida. Ainda lembro do susto, da perplexidade e da ira que rondaram com vergonha os porões de meu ímpeto racionalista.

Sem querer pois adentrar nesse debate sobre o lugar dos personagens nas instancias da criação e da fruição, indicarei o que mais me chamou a atenção nas estratégias de construção da despedida de Grisson. Não tratarei dos aspectos extra-textuais, pois são muitos. Deles sinalizarei apenas que o telespectador assíduo da serie já estava devidamente informados sobre a saída de Grisson, os motivos do ator, os cuidados dos produtores e roteiristas, os sentimentos dos atores que ficavam na série e sobre o ator e a personagem que iria substitui-lo. Por fim, sobre o momento – a temporada que teria sua estréia em rede a cabo Brasil no mês de abril desse ano.

O primeiro episodio da nona temporada traz Grisson lidando com as implicações da morte e perda de um colega de trabalho, cuidado como filho. Warrick era negro, pobre, lutava contra a força imperiosa dos vícios [jogo, depois medicamentos-drogas] e contra a dificuldade de respeitar as autoridades. Warrick morre por defender o princípio da honra primeira que legitima o uso da força policial, a lisura, a honestidade e a capacidade de não se curvar a corrupção.

Grisson e sua equipe descobrem o policial corrupto que matara Warrick, encaminha-se assim a primeira fase – o luto e a revisão dos projetos de vida daqueles que são acometidos pela perda. Grisson revê o amor antigo, Sara, que alimenta mais uma vez suas inquietações. Até o momento em que os colegas de Grisson saberão de sua decisão, os telespectadores reencontram através de Grisson aqueles que marcaram seus ultimos anos. Lembro-me da prostituta sagaz que compreende as sutilezas dos mundos afetivos eróticos mais inusitados; a assassina mais instigante e cruel que se despede dele mostrando que as pessoas, não importa o que viveram, podem mudar, mesmo que sendo através do ato suicida. Enfim, experiências vividas pela personagem mostram que Grisson está pronto para uma decisão que pode mudar radicalmente a sua vida.

O telespectador é minuciosamente e lentamente levado a esse momento da certeza sem descurar do perfil marcante da personagem. Ele manteve sua característica principal, a descrição diante dos seus sentimentos e dos outros, a emoção que fervilha em suas entranhas e que não sucumbe facilmente a expressão, a palavra, ao riso. A objetividade e a argúcia diante dos desafios intelectuais não serão afetadas, mas fica evidente para os telespectadores e para a equipe do CSI que as emoções não são contidas como antes.

Os outros colegas foram sendo pouco a pouco e cada um a seu modo informados sobre a decisão de Grisson. Noticia dada por ele mesmo em circunstancias que permitiam que cada personagem despedisse do seu jeito, uns mais emocionados que outros. Movimento que foi reafirmando ao telespectador que mesmo sem motivos evidentes, o adeus a Grisson estava selado. Foi criado o ponto da certeza da despedida sem riscos de retorno. Cada um dos integrantes da equipe sente e sofre essa perda a seu modo, ajudando o telespectador no ato de encontrar também o sue lugar nesse ato da despedida. Pior seria se ficássemos completamente sós...penso eu! Cada personagem que resta na equipe mostra-se mais pleno e autônomo, podendo seguir sem aquela presença que exalava da força simbólica de Grisson que transmitia um senso de segurança necessária.

Logo surge o personagem que promete exercer algumas dessas funções, a argúcia intelectual que traduz a duvida em objetivação de conhecimento cientifico que tem o poder de fazer a justiça, de nos amparar com a crença na verdade. O novo personagem tem o poder da verdade cientifica ancorada na humildade que crê na existência da duvida, na consciência da ignorância que alimenta a disposição para aprender de uma posição subjetiva que suporta o não-saber.

Grisson segue seu caminho. Sabemos que fará parte dele uma nova experiência amorosa com Sara. Final que, num primeiro momento, gerou a decepção diante de uma estratégia tão banal e emocional [será que considerei a escolha amorosa pouco sensata ou foi o modo de condução das estratégias que resvalaram?]. Depois de certo distanciamento, e sem ainda rever o episódio, acho o caminho coerente com o personagem, mas ainda tenho a impressão de estar diante de um momento infeliz do desfecho. Coisas de rascunhos!

No episodio seguinte a saída de Grisson, cada personagem está construindo modos de lidar com a ausência, como ocupar a sala vazia, onde colocar os objetos que falam dele, como acolher o escolhido por ele para trabalhar na equipe? As primeiras seqüências do episodio mostram o novo personagem tendo cumprido com brilho as exigências do treinamento, mas ainda em formação, pois nem captura de digitais conseguia fazer corretamente, não sabia como se vestir e não conseguia suportar as emoções que as cenas do crime provocam. Antes da abertura, momento que envolve o telespectador na questão chave daquele episodio, temos a cena em que luz da lanterna de Nick destaca o desafio e o mal-estar desse novo personagem: será que ele vai conseguir? Nesse episodio ele conquistará o respeito de cada integrante da equipe CSI, conquistará também o sentimento de acolhimento e a série mostra que ele veio para ficar....Catherine lembra que o expediente acabou e ele responde que sabe, mas precisa ficar para aprender como ser melhor para conquistar definitivamente o lugar que esperamos que ele ocupe. Assim ficou mais fácil dizer Adeus. Eu pude dizer adeus, resta saber o que represento nesse universo de telespectadores dessa serie...mas o que me interessa mesmo é desvendar os mistérios da engenharia narrativa das estratégias textuais que conseguiram manejar essa adorável solução.

Blogs que tratam da despedida de Grisson:

http://soseriadosdetv.com/tag/csi/

http://soseriadosdetv.com/2009/04/02/csi-19-down-09x09/#more-3409

http://rd1audienciadatv.wordpress.com/2009/01/20/episodio-de-despedida-de-william-grissom-petersen-de-csi-bate-recorde-de-audiencia-na-tv-americana/

http://teleseries.uol.com.br/agora-e-william-petersen-que-esta-de-saida-de-csi/

http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20090407134827AALZ1mi

http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp/default.jsp?source=DYNAMIC,blog.BlogDataServer,getBlog&uf=1&local=1&template=3948.dwt&section=Blogs&blog=242&pg=1&assunto=319&coldir=1&topo=3951.dwt

http://series-etc.blogspot.com/2008/11/william-petersen-grava-sua-despedida-da.html


Despedida de Grisson na imprensa:

http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,os-ultimos-passos-de-gil-grissom,312563,0.htm

http://www.opovo.com.br/vidaearte/834366.html

http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=1004829

http://tv.globo.com/ENT/Tv/Seriados/CSI/0,,AA1694915-7251,00.html
EPISÓDIO DE DESPEDIDA DE WILLIAM 'GRISSOM' PETERSEN DE 'CSI' BATE RECORDE DE AUDIÊNCIA. “despedida em grande estilo”

Mais informações sobre a serie vejam http://br.axn.com/shows/csi

2 comentários:

regina gomes disse...

Carmem,

Tive a mesma sensação de perda inestimável com a saída de doutor Kutner da série House.Ele deixou a série para assumir um cargo no governo de Barack Obama da forma mais radical possível para um personagem: suicídio.
E o pior é que House (como um bom racionalista)até hoje procura um motivo para justificar o ato de Kutner. Devo reconhecer como espectadora e fã do seriado que os cabos ficarm soltos na narrativa uma vez que não haviam motivos aparentes ou não para o Kutner dar um tiro na cabeça.Ele encarnava a personalidade mais zen e descomplicada do hospital-escola. Os roteiristas estão tentando sutilmente justificar a saída do personagem nos episódios posteriores, mas ainda não convenceram o público.
Muito boa sua análise sobre a saída de Grisson. Seu texto é claro, argumentativo sem perder a poesia e a paixão pelo objeto.
Beijos

danilo scaldaferri disse...

Prazeroso texto! Mais do que da saída de Grisson, seus "rascunhos" falam também da questão que discutíamos no nosso último encontro: da possibilidade de os escritos acadêmicos virem acompanhados de uma sedução e de uma alma que cativem e instiguem o leitor. Acompanho CSI pelos DVDs das locadoras. Portanto, Grisson ainda coordena habilmente o meu percurso particular. Fiquei até "enciumado" quando o vi beijando Sara no vídeo meloso embalado por uma chorosa canção em espanhol, que você sugeriu. Quando chegar o momento de eu despedir-me do eterno timoneiro da embarcação CSI, acredito que já estarei mais preparado e pronto para a ausência. As estratégias se complicam ainda mais quando se pensa nas diversas formas e hábitos de acompanhamento da trama.