sexta-feira, 3 de abril de 2009

Pan Cinema Permanente e Filmefobia

Aconteceu aqui em Salvador, iniciado no dia 19 de março e terminado no último dia 26, o V Panorama Internacional Coisa de Cinema. Por aqueles dias, o cinema voltou-se para o centro da cidade. Como em qualquer outro festival ou mostra de cinema, pelas telas do V Panorama, rodaram alguns poucos filmes muitos bons, outros tantos razoáveis e, como nunca faltam, aqueles absolutamente sofríveis. Entre os tais “absolutamente sofríveis”, destaque incontestável para Bela Noite para Voar, filme de Zelito Viana, com Mariana Ximenes, José de Abreu e Marcos Palmeira; sobre uma noite em que os militares opositores ao governo de Juscelino quase derrubaram o avião do presidente. O longa de Zelito Viana, mais se parece com um infeliz capítulo de uma novela das oito, naquilo que as novelas tem de pior. Por outro lado, foi com grata surpresa que assisti ao longa Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, com Cauã Reymond e João Miguel. Cauã, cujo meu preconceito até então não permitia que eu o visse para além de Malhação, dá um show. E o filme é vigoroso, tem “ritmo e pegada”.
Dois filmes, em especial, chamaram a minha atenção, entre outros motivos, por lançar lenha na fogueira que derrete as fronteiras entre ficção e documentário. Pan Cinema Permanente, de Carlos Nader, e Filmefobia, de Kiko Goifman. Pan Cinema Permanente, “persegue” a figura inquieta de Wally. Wally é um discurso de si mesmo. Ele aparece no filme em lugares e tempos diferentes gritando, cuspindo palavras e “verdades”, dizendo poesias, entrecortado por imagens não necessariamente “coladas” àquelas situações, em um estilo de montagem que remete ao currículo de videoartista do diretor; amigos e outros poetas falam quase sempre em off, sobre o saudoso escriba baiano de Jequié. Os depoimentos tentam traçar um perfil e compreender o “personagem” Wally Salomão. As imagens têm um “quê” de amadoras, quase caseiras. Tudo absolutamente impregnado de real não fosse o fato “denunciado” pelo documentário de que Wally estava sempre interpretando para a câmera. Suas falas são grandes encenações, Wally, ao perceber a câmera em rec, encarnava inevitavelmente um personagem que não era ele, ou talvez fosse o mais autêntico “ele”, o ele de verdade, nascido da farsa teatral em que vivia, segundo dizem os amigos depoentes e a “tese” defendida pelo próprio filme.
O outro filme, o de Kiko Goifmann, a princípio, nasce de uma premissa documental. Segundo anunciado em jornais e num blog sobre o processo de confecção do filme, o longa estaria sustentado pela idéia, defendida por Jean Claude Bernadet, segundo a qual as pessoas só se mostrariam de verdade, quando confrontadas pelas suas fobias mais poderosas. Sendo assim, o dispositivo do filme era expor pessoas às suas fobias e gravar a reação delas. E aparentemente assim foi feito. Aquele que tinha medo de anões foi amarrado e atacado por um monte deles, o que tinha medo de sangue foi melecado inteiro pelo tal líquido vermelho que nos corre nas veias e por aí vai... as fobias são as mais estranhas... tem fobia de penetração, de pombos, de telefones celulares...
Bom, segundo o blog do longa, as experiências foram de tal modo intensas que fizeram a equipe questionar a validade daquela empreitada. Brigaram e desistiram do projeto. Tempos depois, saiu a notícia de que Kiko Goifmann, que segundo a “história pré-filme” era o diretor do making of, resolveu juntar as imagens que ele tinha capturado e lançar um filme nascido a partir do outro filme que fora abandonado. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que agora, depois de exibido o longa, os produtores confessam que nunca houve documentário, nem fóbicos, eles estavam sempre desde de o princípio, fazendo uma ficção para qual eles emprestaram seus nomes e corpos verdadeiros. A provocação é saber quando começou o filme, se aquele texto audiovisual está completo sem as informações anteriores, sem o flerte com a realidade, sustentado pela farsa da produção de um documentário.



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